Esses dias
tive o privilégio de poder participar um pouquinho da construção da comunidade
Eliana Silva. Uma comunidade que se construiu e fortaleceu a cada dia de ocupação
em um terreno abandonado há mais de 40 anos na região do Barreiro em Belo
Horizonte.
Esse terreno
servia de lixão, local para o tráfico de drogas, desmonte de carros roubados e desova
de cadáveres. Até que na madrugada do dia 21 de abril mais de 300 famílias ocuparam
o terreno e começaram a dar vida ao lugar. O primeiro passo foi limpar e
organizar o espaço. Depois construir as barracas, de lona ainda, mas já um esboço
de pequenas casas. O senso de comunidade foi crescendo, construíram uma cozinha
e uma creche comunitária. Em poucos dias a solidariedade dentro e fora da ocupação
garantia que ninguém passasse fome. Com a pequena creche algumas mulheres
puderam voltar ao trabalho, tendo onde deixar seus filhos pequenos.
Cheguei na ocupação
com o intuito de mostrar minha solidariedade e ajudar na organização da saúde.
Junto com estudantes da área da saúde começamos um questionário com as famílias
para levantar as principais demandas. Esses dados serviriam de informação para
uma Audiência Publica prometida pela juíza, para uma reunião com o Centro de
Saúde da área de abrangência e para planejar ações que pudessem empoderar
aquela população em sua saúde.
Infelizmente
nada disso aconteceu. Sem nenhum tipo de diálogo, desconsiderando as questões legais
que de que a prefeitura não havia comprovado posse do terreno, a Juíza Doutora
Luzia ordenou a reintegração de posse. A ação da polícia ocorreu sem aviso
prévio, na madrugada do dia 11 de maio. Mais de 400 policiais intimidaram os
1500 moradores e funcionários da prefeitura de Belo Horizonte, cumpriram, constrangidos,
as ordens de colocar em pilhas de escombros os poucos pertences dessas
famílias.
O que tudo
isso tem a ver com nosso blog sobre gravidez, maternidade e infância?
É simples.
A maioria desses 1500 moradores eram mulheres. Mulheres mães e gestantes.
Encontramos mais de 30 crianças com a idade de 0 a 1 ano. Muitas mais se
contarmos até os 15 anos. E ainda três gestantes e outras mulheres que
suspeitavam de gravidez.
E dois dias
antes do Dia das Mães essas mulheres são brutalmente despejadas das pequenas
casas que conseguiram construir. Do lar que encontraram naquela comunidade que
se formava.
Acredito
que todas as mães que acompanham o blog podem afirmar que uma de suas
prioridades é construir um lar seguro para seus filhos. Era isso que essas
mulheres estavam fazendo, mas foi destruído sem nem mesmo uma conversa.
Sem
considerar os interesses políticos e econômicos de quem exigiu e ordenou a
desocupação fico pensando que essas pessoas o fizeram antes de abrir qualquer
tipo de diálogo com a população para que não tivesse o risco de se compadecerem
com as histórias das famílias.
Não é difícil
imaginar que para que uma mãe tome a decisão de morar debaixo de uma barraca de
lona com seus filhos que sua situação anterior era muito pior. Com certeza ela
já considerou todas as suas outras opções e essa foi a mais segura para a sua
família. Então, como não ouvir essas mães na sua luta para garantir um lar para
sua família?
Quem
conhece cada uma daquelas famílias não tem como não se sensibilizar e se
envolver com a luta. Não pode fica indiferente a pequena Alice Sofia, que mesmo
com febre estende os braços pedindo colo de quem apareceu para conversar com a mãe.
Sua mãe, segurando um bonito prato de comida, farto, com feijão tropeiro e macarrão,
contava como administrava o antibiótico recomendado, que estava mantendo a
filha hidratada e oferecendo o peito em livre demanda. Richard precisava de um
complemento para o remédio da asma. A mãe explicou pacientemente como o seu
pulmãozinho funcionava e que o remédio tinha acabado. Mantinha o colchão em que
dormiam todos da família limpo e arejado, mas ali, no chão de terra, seria
preciso conseguir um berço para que o pequeno não tivesse mais uma crise.
Crianças
especiais encontramos em todos os lugares. Mas talvez Tamires, uma adolescente
com Síndrome de Down, e Franciele, uma pré adolescente com deficiência metal,
seja mais especiais ainda. Acompanhavam a assembleia com atenção e participavam
dos gritos de ordem! Com transparência e honestidade relatavam a todos o seu
dia a dia, mostrando como estavam bem cuidadas, e com abraços retribuíam o
carinho que recebiam da comunidade.
Outras
várias crianças especiais ali. Especiais porque atentas aprendiam a construir
coletivamente um lar, com uma infância segura. Era isso que Cristina passava a seus dois filhos, com
exemplo de uma participação ativa e engajada na luta pelo seu direito a
moradia.
A ocupação
Eliana Silva continua mobilizada e todo o apoio é necessário! Vamos apoiar
essas mães na sua luta pelo direito a moradia. Vamos dizer ao prefeito Marcio Lacerda
que ele não tem o direito de despejar essas famílias e fechar os olhos para a
realidade desses belorizontinos. Vamos dizer sabendo que essas mães não queria
estar com suas famílias debaixo de barracas de lonas e sim em moradias dignas,
e é isso que o prefeito tem o dever de prover.
“ENQUANTO A
MORADIA FOR UM PRIVILÉGIO, OCUPAR SERÁ UM DIREITO”
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