Vale conferir!
Você nunca mais será a
mesma, nem por dentro nem por fora... não há como passar pela experiência de
ficar grávida e ter um filho e não ter uma mudança a nível corporal. Mas a
gente não quer admitir essa mudança. Não quer e não pode. Não pode porque a
sociedade não oferece mais um lugar de valor para o corpo materno, como
antigamente ocorria.
Passamos da água para o vinho em certo sentido. De uma
valorização da mãe inteiramente devotada - que não precisava se cuidar do ponto
de vista corporal, pois ela era respeitada por ser mãe - passamos à expectativa
de que a mãe rapidamente recupere a boa forma.Quantas de nós já saímos da
maternidade reclamando da barriga e na primeira consulta ao ginecologista já
queremos saber quando podemos voltar a malhar... E provavelmente ele vai falar:
em seis semanas vida normal... Sim, normal para ele que estará no consultório
tranquilamente nas próximas semanas. Para a mulher que virou mãe de corpo e
alma, seis semanas ainda é um tempo em que está aprendendo a "andar de
novo..." No entanto, há uma grande pressa de voltar a ser o que se era
antes, como se esse novo corpo, essa nova vida não fosse suficientemente
interessante. É preciso voltar a ser como antes.
Como se a vida abrisse essa
possibilidade de retorno ao antes. E pergunto: quem quer fazer exercício depois
de se exercitar o dia inteiro atrás do filho? Nos primeiros anos de maternidade
a vida é puro exercício aeróbico, sem descanso, com pouco sono e muito que
fazer. Talvez não seja exercício localizado, por isso não perdemos calorias no
lugar que precisamos. Depois de viver a maternidade, hoje considero a natureza
sábia.
Aquelas calorias a mais que carregamos são uma proteção, senão
desmaiamos no meio da rua de cansaço. Entretanto o mundo só tem olhos para a
sua barriguinha... e como não temos nenhum modelo alternativo de “beleza
materna” para nos espelhar, tendemos a achar que a solução está na malhação.
Quando ligamos a televisão, é um choque: estão todos saradíssimos, esbeltos,
magros e bronzeados. Ainda piorou depois que a Globo colocou o filtro que evita
o envelhecimento das imagens dos seus atores. Assim nos sentimos fora da
possibilidade de qualquer elogio e, algumas revistas continuam insistindo em
exercícios mágicos e dietas milagrosas. Diga-me: Há alguém dialogando sobre a
corporeidade da pessoa que vive a maternidade? Isto é, dialogando sobre a
transformação pela qual passou o corpo que foi submetido aos aspectos físicos,
emocionais e espirituais da experiência da maternidade? Alguém dialoga com o
corpo que vive o exercício de cuidar de um bebê vinte e quatro horas por dia,
em que a prioridade é o corpo do Outro, frágil, instável e sensível?
Mirian
Goldenberg, no seu artigo: “O corpo como Capital: Para Compreender a Cultura
Brasileira” (2006), aponta uma realidade incontestável da contemporaneidade:
Pode-se enxergar melhor o paradoxo apontado por Lipovetsky com a idéia de
“contrários em equilíbrio” de Gilberto Freyre. No Brasil, o desenvolvimento do
individualismo e a intensificação das pressões sociais das normas do corpo
caminham juntos. De um lado, o corpo da brasileira se emancipou amplamente de
suas antigas servidões - sexuais, procriadoras ou indumentárias-; de outro,
encontra-se, atualmente submetido a coerções estéticas mais regulares, mais
imperativas e mais geradoras de ansiedade do que antigamente. Vivemos, então,
um “equilíbrio de antagonismos”: um dos momentos de maior independência e
liberdade femininas é também aquele em que um alto grau de controle em relação
ao corpo e à aparência se impõe à mulher brasileira.
Estamos frente a uma contradição que me deixa perplexa e para a qual não tenho resposta. Tenho procurado escutar a mim mesma, mãe de 40 anos e psicóloga e, também, procurado escutar muitas mães com as quais venho trabalhando.Por outro lado, vejo na clínica meninas jovens se disponibilizarem a pagar um preço alto para tentar se aproximar do corpo “global” e da imagem corporal globalizada pela mídia do mundo todo.
O corpo é um capital importante no mundo
contemporâneo, particularmente o corpo feminino. No passado a maternidade em si
acrescentava valor à mulher. Com as conquistas da modernidade temos uma
situação paradoxal em termos de valor em que o visual da mulher compete com a
competência profissional. Isso vem acontecendo de tal forma que da mãe se
espera que rapidamente volte tanto ao mercado de trabalho quanto às formas da
mulher que foi anteriormente. Poderia se dizer que há uma tripla jornada de
trabalho para a mãe, porque além do corpo malhado e do sucesso profissional se
espera dela que seja uma boa mãe.
De fato há um progresso em relação à
maternidade do passado, em que a mulher ficava confinada em casa e da qual se
esperava pouco investimento na estética corporal e na vida profissional. Em
contrapartida, há um olhar discriminador em relação a mãe que resiste ou não
consegue mesclar academia intensiva com cuidar do bebê e de sua vida
profissional.
Isso, porque a reflexão sobre o impacto da maternidade sobre nós
como pessoas fica completamente sem espaço para emergir. No fundo de nós mesmas
fica a questão: quando esta sociedade dará um lugar, dará valor e não desprezo
para o corpo real, para o corpo possível pela vida que se vive? Isto é, para o
corpo que tem memória, e portanto, marcas, para o corpo que tem história e
portanto significados, sem culpa pela perda do corpo adolescente? Sim, houve
uma libertação da mulher em relação ao confinamento doméstico após casamento e
maternidade, mas a questão que fica é: a liberdade de um modelo não está se
dando ao preço da submissão a outro modelo igualmente punitivo e tirânico? Hoje
em dia é raro ver uma mulher que esteja satisfeita com seu corpo.
Internalizamos de tal forma o modelo de beleza imposto pela mídia que estamos
sempre em falta. Em falta com essa imagem cruel do corpo da mulher no qual
nossa história não pode deixar vestígios.
Há sempre produtos e serviços
“capazes” de eliminar estes restos indesejáveis de nossas dores, experiências e
aventuras pela vida. O mito do corpo perfeito é assimilado sem críticas pelos
homens e, naturalmente por nós, mulheres e mães. Como se fosse possível e mesmo
desejável, viver em toda sua plenitude uma vida rica de experiências, entre as
quais a da maternidade - evento que nos afeta no núcleo de nossa corporeidade e
manter um corpo intacto. Nosso corpo é nossa história.
Como crescer espiritualmente
e não aceitar que nosso corpo se transforma aos olhos dos outros e para nós
mesmos? Uma coisa é a estética de um corpo bonito, nada contra. Outra é não ter
valor um corpo materno, com estrias, marcas, gordurinhas, que se desgasta na
devoção ao seu bebê e na conciliação desta enorme tarefa com a volta ao mercado
de trabalho. O corpo materno, que sabiamente é mais carnudinho para ser um
colo, deveria ser o corpo almejável e até reverenciado pela beleza da
experiência que contêm. Por enquanto, entretanto, o corpo desejável da mulher
brasileira é o corpo esguio da adolescente, e não é rara a nossa frustração
quando chegamos a uma loja de roupas e percebemos que o tamanho G de uma roupa
é ridiculamente pequeno.
Autora:Tania Novinsky Haberkorn
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