quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O DIREITO DE SER CRIANÇA

Neste mês comemoramos o dia das crianças e fiquei refletindo sobre o direito de ser criança.
Em meados do século XVII e início do século XVIII, a criança era vista como um adulto em miniatura, não tinha espaço pré-estabelecido.  Por volta de 1600, as crianças eram levadas para as amas de leite para que ficassem com elas enquanto seus pais permaneciam envolvidos com seus afazeres. Essas crianças, quando não morriam, eram devolvidas aos seus pais em torno dos 6/7anos. Elas eram consideradas como um pequeno ser sem personalidade e não eram reconhecidas como crianças.
Somente no inicio do século XVIII é que a presença materna junto à criança começou a ter valor principalmente nos aspectos educacionais e religiosos e ela passou a ser cuidada pela mãe enquanto o pai ficava focado no trabalho. Assim, começa a história da criança em nossa cultura. Muita coisa aconteceu de lá para cá. Hoje, ela, que antes não tinha direito algum, os adquiriu de forma legalizada, reconhecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Com todas as mudanças socioeconômicas e culturais, temos crianças com direitos estabelecidos e com um lugar bem determinado. Mas, cabem aqui, algumas perguntas: a criança, mesmo com todos os seus direitos está sendo criança? O que é ser criança? Não vou me ater aos direitos que ela tem conforme o ECA, mas quero me ater aos direitos de “ser” no mundo, de ter sua própria forma de funcionar, expressar e viver.
Acho que a tecnologia e o mundo globalizado contribuíram para que elas desenvolvessem algumas habilidades e alguns aspectos intelectuais mas, emocionalmente, tolheu a sua espontaneidade. Hoje, a criança não compreende coisas simples como: plantar uma semente, esperar que brote, que floresça ou dê frutos. Ela pode fazer isso no computador (com a ponta dos dedos), sem trabalho algum e sem sujar as mãos, porque nem sujar pode-se mais. O mundo se tornou digital, tudo é instantâneo, dando a sensação de que é mágico. Tornamo-nos  adultos e estamos perdendo o sentido da vida, o sentido de existir. As crianças, em outros tempos, brincavam na rua, brigavam e se entendiam da forma que conseguiam. O cenário atual é outro. Elas brincam sozinhas, com seus objetos eletrônicos, e vão para o mundo virtual com a destreza de um adulto. Vemos  adultos, que recorrem ao mundo virtual para não fazer contato com o real, com o mundo, com suas dores e alegrias. Ainda se tem a questão do consumo - se não tem a TV de Led, Plasma, etc. não se sente pertencendo. Nas propagandas vemos produtos sendo vendidos junto com a felicidade, vide propaganda de carros e imóveis por exemplo. Por onde anda a criança interna do adulto? O que uma criança pode ensinar a um adulto?
Quando a coisa aperta para o nosso lado, quando passamos algum momento difícil, quando precisamos aliviar a alma, se tivermos a nossa criança bem internalizada, podemos lançar mão de alguns mecanismos que só a criança dispõe como: dizer que não gosta de algo, que não quer algo, se permitir chorar, gargalhar, brincar, ser mais leve, usar o imaginário, criar, errar, sorrir e sonhar. Claro que, tudo isso, com medida, para não infantilizar e acreditar que não precisa responsabilizar-se.
Fico preocupada com esta geração que vem por aí, que não sabe brincar, que não é estimulada a criar, imaginar, sonhar, frustrar e que sabe fazer exigências porque acreditam, que o adulto e o mundo, tem a obrigação de realizar seu desejo. Quando se tornarem adultos e precisarem de sua criança interna, vão encontrar o que ou quem? Se o brincar é de fundamental importância para que a criança se desenvolva emocionalmente, viva seus conflitos e alivie a alma, como esta criança se tornará um adulto saudável?
No começo deste texto falei sobre a falta de identidade da criança e a falta de reconhecimento por parte da sociedade daquela época. Hoje, o lugar é reconhecido, mas qual identidade está sendo construída sobre ser criança? Quais os valores familiares e sociais estão sendo passados? Como queremos um mundo melhor se não investimos afetivamente, e efetivamente, na vida das crianças? Vemos pais se desdobrando no trabalho para garantir saúde e boa educação para seus filhos, mas que não tem tempo para estes. Pais que não sabem do que os filhos gostam, quais brincadeiras gostam e nem os sonhos que tem. Vemos filhos sem a noção de regras, sem a noção de educação e cidadania, e que sabem ser tiranos. Pais que já nem sabem mais quais os valores que querem ensinar, afinal, o mundo modernizou, e não querem se sentir “ultrapassados”.
A função dos pais passa pelo cuidar e educar. Cuidar e educar envolve amar, se interessar, ouvir, disciplinar, respeitar e fazer trocas. Para que uma criança tenha seu direito de ser criança ela precisa de alguém que a perceba como tal, alguém que perceba  que ela está  em processo de desenvolvimento, que precisa de tempo para absorver determinados conceitos e funcionamentos, alguém que é sensível, frágil e inocente. Criança é crente, ou seja, crê em tudo que falamos para ela. Se praticarmos a solidariedade, o amor, o cuidado, o respeito, ela aprenderá tudo isso conosco. Mas para que isso ocorra é preciso relacionar, estar junto, não deixar que babás, a televisão, o computador e jogos eletrônicos assumam nosso lugar. Nem mesmo a escola pode ficar com esta função, ela é parceira da família, e não, responsável pela família.
No dia das crianças vemos lojas abarrotadas com brinquedos para todo gosto e pais alvoroçados comprando algo que acreditam que irá deixar seus filhos felizes. Quem tiver coragem, experimente trocar aquilo que dá menos trabalho, por algo que dá, que é amar. Experimentem criar algo para este dia. Perguntem a seus filhos o que eles gostariam de fazer junto com você no dia das crianças, ou sugira algo diferente, quem sabe brincar de pega, de roda, andar de bicicleta, fazer um piquenique.  Permita que a sua criança interna possa falar!
Desejo a todos os pais e educadores que se reconectem com o seu mundo interno, trazendo a leveza e alegria da criança para a vida de vocês!


Texto: Fernanda Seabra (Terapeuta Familiar Sistêmica) 
Crp 04/18317

Nenhum comentário:

Postar um comentário