Todas
as grávidas precisam conhecer a historinha da Cadeia de Intervenções Desnecessárias que levam a uma cesariana e
prejudicam a amamentação. É que, às vezes, a mulher acredita estar no caminho
para ter seu parto desejado e amamentar com sucesso seu bebê, mas as
intervenções medicas desnecessárias acabam levando para a situação oposta do
que desejavam.
Conhecer
a historia para poder interrompê-la em qualquer um desses pontos é fundamental!
Informação é tudo não?
A
historia da cadeia de intervenções começa assim....
Marina
está grávida e o médico raramente quer
conversar com ela sobre o parto. Ela tem poucas informações, mas sabe que
quer o parto normal. Seu obstetra diz que concorda sim, e que se der vai fazer
o parto normal. (As falas variam, se quiser saber mais da postura dos obstetras
da uma conferida no texto "conversinha mole").
Chega
o tão esperado dia que Marina entra em trabalho
de parto. Assim que a bolsa rompe,
ela e o marido ligam para o médico e correm para o hospital (infelizmente ninguém contou a ela que
poderia esperar, se alimentar bem, descansar e ir para o hospital só quando
estivesse em trabalho de parto ativo, com as contrações mais ou menos entre 2 e
3 minutos cada).
No
hospital Marina é avaliada e com o exame de toque percebem que tem apenas 3 cm de dilatação. Mesmo
sabendo que no hospital ela ficará mais desconfortável, já que é um ambiente inóspito,
cheio de regras e correndo o risco de exposição a diferentes tipos de bactérias,
o médico resolve internar a paciente.
O marido concorda com o médico, porque já que não tem informações de como um
trabalho de parto ocorre, sente se inseguro de voltar com a esposa para casa, e
acha que o hospital é o melhor lugar para os dois. Se ele tivesse alguém apoiando, talvez sentisse seguro para esperar em
casa, mas infelizmente não conhece o trabalho de doulas, obstetrizes ou
enfermeiras obstetras.
Já
internada no quarto do hospital Marina sente se fora de lugar. Não sabe o que
fazer e como aparentemente precisa de cuidados médicos deita-se na cama. Deitada sente muito desconforto durante as
contrações. O marido, sem apoio, não
sabe como ajuda-la a aliviar a dor, já que não conhece procedimentos não farmacológicos
de alivio da dor (como massagens, banheira, chuveiro, bola, compressas e
outros). Marina não foi informada também de que ela pode caminhar no quarto e
que pode procurar uma posição que lhe seja mais confortável durante as
contrações. Não sabe que essas atitudes ajudariam a manter o ritmo do
trabalho de parto e acaba ficando deitada e quieta. Como esta bem
desconfortável chama as enfermeiras constantemente, que muitas vezes realizam
exames de toque, desconfortáveis e desnecessários,
onde constatam que a dilatação não evoluiu e que o bebê, apesar de estar na
posição correta, ainda está muito alto.
Marina
e o marido não sabem o que essas informações significam e ficam ainda mais ansiosos. Infelizmente ninguém contou a eles que os primeiros 5 cm de dilatação
são bem lentos mesmo e por isso o melhor é esperar em casa. Ninguém explicou
que o bebê só começa a descer depois que a mulher dilatou os 10 cm e ele ainda
estar alto agora não significa que a mulher não tem passagem. Os dois
também não sabem que o ambiente desconfortável e a ansiedade inibem a produção
natural de Marina de ocitocina, o hormônio
que estimula a dilatação do colo do útero e as contrações.
Finalmente,
depois de umas 4 horas no hospital, Marina e o marido sem comer nada até então,
estão no limite de sua ansiedade, e ficam felizes quando o médico vem com uma nova intervenção. Explica que é um “sorinho”
que vai ajudar Marina. O médico que nunca parou para dar muitas informações ou
explicações a paciente não acha que é necessário contar que naquele “sorinho”,
além de hidratar Marina que estava em jejum e sem água até aquele momento (o que não seria necessário, mas acaba
virando protocolo por comodidade dos hospitais que já preveem que a mulher
terminara em uma cirurgia. E como um dos efeitos colaterais da anestesia é o vomito,
melhor que esteja de barriga vazia), o soro também contém ocitocina artificial.
O uso
da ocitocina artificial aumenta de repente a intensidade das contrações. Ficam
mais longas e mais fortes de uma hora para outra. Com um intervalo entre elas
que não da nem para respirar. Mariana permanece deitada, já que agora o soro na
veia limita ainda mais seus movimentos. Como não conhece os métodos não farmacológicos
para alívio da dor começa a pedir desesperadamente pela anestesia. A equipe de enfermagem a avalia e afirma que ela não
pode receber a anestesia ainda. O marido
fica revoltado, não entende porque ninguém da a anestesia para sua esposa, já
que nenhum profissional de saúde parou para explicar a ele que existe um
protocolo, que a anestesia só deve ser dada ao 8cm de dilatação, para não
interromper a evolução do trabalho de parto. Sem nenhum suporte, a família
ainda tem que ouvir comentários como "não precisa gritar, deixa de ser
exagerada” ou "agora que já fez precisa aguentar a dor”.
Com as contrações em um ritmo muito maior do que
o seu corpo estava preparado para aguentar, já que quem as comanda agora é a ocitocina artificial
no soro e não a ocitocina que o proprio corpo produz, Marina começa a ter dificuldades para respirar. Não sabe se faz força, ou que horas fazer
força, já que ninguém a orientou quanto a perceber o puxo, que é o seu próprio
corpo indicando a hora de fazer força. Com a pouca oxigenação causada por essa situação promovida pelo uso da
ocitocina artificial, os batimentos cardíacos do bebê começam a
diminuir e a equipe medica constata isso na próxima ausculta.
Informam
então ao marido que sua esposa precisa ir para o bloco cirúrgico. Que ela não
tem dilatação (esquecem de dizer que já
esta com cerca de 6cm e que desse ponto em diante, se respeitado o processo
natural do trabalho de parto, a dilatação seria muita mais rápida) e
afirmam por fim que o bebê já está em
sofrimento. Com pavor de que algo aconteça com a mulher e o filho o marido
concorda com a cesariana.
A
mulher vai embora sozinha para o
bloco, sem o seu acompanhante de sua
escolha, e o marido fica para trás para se arrumar para o bloco. A equipe
rapidamente se movimenta preparando a cirurgia sem muitas explicações ao casal.
Enquanto a mulher toma a anestesia algumas pessoas da equipe oferecem palavras
e conforto e o marido só entra novamente após a anestesia.
O
pequeno bebê é arrancado da barriga
da mãe. Como foi realizada uma cesariana o cordão umbilical precisa ser cortado mediatamente, sem chance de que ele tenha seu tempo para
aprender a respirar e sem poder receber o restante do sangue da placenta, prevenindo
uma futura anemia. O primeiro a pegar o bebê é o pediatra, e não a mãe (que não vê nada, tendo as mãos amarradas e
um pano a sua frente) ou o pai (que se divide entre tirar fotos do bebê e
contar a esposa o que esta acontecendo). O pediatra precisa aspirar o bebê que, por não ter passado
pelo canal de parto, tem ainda muito liquido amniótico no pulmão. O bebê que
não teve seu sistema sensório motor preparado pelo toque no canal de parto
durante as contrações, e por isso chora,
desorientado com o primeiro toque na sua pele, uma toalha áspera.
Como
os batimentos estavam baixos antes de nascer e pode ter alguma dificuldade respiratória, como consequência
da própria cesariana e da anestesia, o bebê é enrolado no pano e a mãe pode
apenas dar um beijo desajeitado no seu filho. Não consegue pegá-lo ou abraçá-lo.
Ainda não pode conferir se tem todos os dedos e o quão perfeitinho é. O bebê é
levado para observação para receber oxigênio. A nova mãe fica lá, sozinha, sendo costurada após a extensa cirurgia
abdominal que passou.
Mais
de três horas depois, no quarto, é que os novos pais vão se encontrar com o seu
bebê. A mãe sente dores na cirurgia
abdominal e mal consegue se mover na cama, precisa de ajuda até para ir ao
banheiro. Os seios estão cheios, inchado e doendo, já que o colostro se preparou
para descer com os hormônios do parto, mas o bebê não sugou. Pai e mãe recebem o
bebê enroladinho e limpinho, dormindo. O momento mais desperto após o parto já
passou e agora ele precisa dormir, talvez tenha até recebido leite artificial
ou água glicosada na mamadeira quando estava no berçário, se aquecendo em uma incubadora (quando poderia ser aquecido pelo contato pele a pele com a mãe).
Ele não sugou na primeira meia hora após
o parto, então não aproveitou o momento em que o peito da mãe estava mais
vazio e seu reflexo de sucção aumentado para aprender a pega correta e aprender
a sugar.
Quando
finalmente acorda a mãe tenta sentar desajeitadamente na cama para oferecer o
peito. O peito cheio já dificulta a pega do seu pequeno filho. Ele suga só um
pouco, mas parece não sair muito leite. As enfermeiras oferecem pouco suporte já
que tem muitas outras atividades e acabam introduzindo o leite artificial ao
bebê. Pronto, esta armada uma receita
para um insucesso na amamentação.
Dois
dias depois a nova família esta em casa e agora vai descobrir sozinha como
cuidar e amamentar seu filho. Talvez ela seja forte o suficiente para não ter
uma depressão pós parto, talvez ela seja determinada em amamentar seu filho,
sabendo dos benefícios. Talvez sem muitas intervenções e com apoio da família
ela possa seguir seus instintos e tenha sucesso na amamentação. Mas esse capítulo
vamos deixar para um próximo post!
A parte boa dessa historia? Que mãe e bebê estão
em casa juntos, felizes e saudáveis.
O que tem de ruim? O parto, que deveria ser um
momento de amor, alegria e empoderamento da mulher que trás seu filhos ao mundo,
foi um momento de dor, angustia e medo. A mulher teve o parto que desejou
roubado. Talvez ela nem fique sabendo que a cesariana e as dificuldades na
amamentação foram causadas por intervenções desnecessárias no seu parto e que
sua historia poderia ter sido muito diferente. Talvez ela nem entenda de onde
vem o vazio que sente. Mas talvez ela consiga buscar mais informações, sair da matrix como dizem as mulheres, e
consiga, em uma próxima gravidez, o seu sonhado parto, curando as feridas
deixadas por esse momento que lhe foi roubado.
Essa historia se parece com alguma que você já
ouviu? Ou talvez se pareça com a sua historia! Levante-se, grite e empodere-se.
Interrompa essa cadeia de intervenções em qualquer um dos pontos e recupere o
seu parto.
Ao me deparar com essas história lembrei-me que a vinte anos atrás em uma maternidade no Rio de Janeiro aconteceu a mesma coisa comigo.Parecia que estavam contando a minha história, a única diferença foi que me internaram com 4 cm de dilatação.Como um dos procedimentos que eles queriam realizar eram subir em cima da minha barriga. Eu já não tinha mais forças naquele momento quando eu escutei da médica que eram para organizar o centro cirúrgico e chamar o pediatra que aquela criança não iria nascer normal.Anos se passaram e meu filho aos 10 anos foi diagnosticado com leucemia mielóide aguda me pergunto as vezes se eu tivesse um parto humanizado meu filho poderia mesmo ter sido acometido por esse tipo de câncer.Hoje meu filho já é um homem com 20anos, cursa Medicina em uma faculdade bem conceituada no Rio e tenta salvar a vida de muitas pessoas.Eu passei pela violência obstétrica e estou aqui para contar o meu caso.
ResponderExcluir