quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Cadeia de Intervenções


Todas as grávidas precisam conhecer a historinha da Cadeia de Intervenções Desnecessárias que levam a uma cesariana e prejudicam a amamentação. É que, às vezes, a mulher acredita estar no caminho para ter seu parto desejado e amamentar com sucesso seu bebê, mas as intervenções medicas desnecessárias acabam levando para a situação oposta do que desejavam.

Conhecer a historia para poder interrompê-la em qualquer um desses pontos é fundamental! Informação é tudo não?

A historia da cadeia de intervenções começa assim....

Marina está grávida e o médico raramente quer conversar com ela sobre o parto. Ela tem poucas informações, mas sabe que quer o parto normal. Seu obstetra diz que concorda sim, e que se der vai fazer o parto normal. (As falas variam, se quiser saber mais da postura dos obstetras da uma conferida no texto "conversinha mole").

Chega o tão esperado dia que Marina entra em trabalho de parto. Assim que a bolsa rompe, ela e o marido ligam para o médico e correm para o hospital (infelizmente ninguém contou a ela que poderia esperar, se alimentar bem, descansar e ir para o hospital só quando estivesse em trabalho de parto ativo, com as contrações mais ou menos entre 2 e 3 minutos cada).

No hospital Marina é avaliada e com o exame de toque percebem que tem apenas 3 cm de dilatação. Mesmo sabendo que no hospital ela ficará mais desconfortável, já que é um ambiente inóspito, cheio de regras e correndo o risco de exposição a diferentes tipos de bactérias, o médico resolve internar a paciente. O marido concorda com o médico, porque já que não tem informações de como um trabalho de parto ocorre, sente se inseguro de voltar com a esposa para casa, e acha que o hospital é o melhor lugar para os dois. Se ele tivesse alguém apoiando, talvez sentisse seguro para esperar em casa, mas infelizmente não conhece o trabalho de doulas, obstetrizes ou enfermeiras obstetras.

Já internada no quarto do hospital Marina sente se fora de lugar. Não sabe o que fazer e como aparentemente precisa de cuidados médicos deita-se na cama. Deitada sente muito desconforto durante as contrações. O marido, sem apoio, não sabe como ajuda-la a aliviar a dor, já que não conhece procedimentos não farmacológicos de alivio da dor (como massagens, banheira, chuveiro, bola, compressas e outros). Marina não foi informada também de que ela pode caminhar no quarto e que pode procurar uma posição que lhe seja mais confortável durante as contrações. Não sabe que essas atitudes ajudariam a manter o ritmo do trabalho de parto e acaba ficando deitada e quieta. Como esta bem desconfortável chama as enfermeiras constantemente, que muitas vezes realizam exames de toque, desconfortáveis e desnecessários, onde constatam que a dilatação não evoluiu e que o bebê, apesar de estar na posição correta, ainda está muito alto.

Marina e o marido não sabem o que essas informações significam e ficam ainda mais ansiosos. Infelizmente ninguém contou a eles que os primeiros 5 cm de dilatação são bem lentos mesmo e por isso o melhor é esperar em casa. Ninguém explicou que o bebê só começa a descer depois que a mulher dilatou os 10 cm e ele ainda estar alto agora não significa que a mulher não tem passagem. Os dois também não sabem que o ambiente desconfortável e a ansiedade inibem a produção natural de Marina de ocitocina, o hormônio que estimula a dilatação do colo do útero e as contrações.

Finalmente, depois de umas 4 horas no hospital, Marina e o marido sem comer nada até então, estão no limite de sua ansiedade, e ficam felizes quando o médico vem com uma nova intervenção. Explica que é um “sorinho” que vai ajudar Marina. O médico que nunca parou para dar muitas informações ou explicações a paciente não acha que é necessário contar que naquele “sorinho”, além de hidratar Marina que estava em jejum e sem água até aquele momento (o que não seria necessário, mas acaba virando protocolo por comodidade dos hospitais que já preveem que a mulher terminara em uma cirurgia. E como um dos efeitos colaterais da anestesia é o vomito, melhor que esteja de barriga vazia), o soro também contém ocitocina artificial.

O uso da ocitocina artificial aumenta de repente a intensidade das contrações. Ficam mais longas e mais fortes de uma hora para outra. Com um intervalo entre elas que não da nem para respirar. Mariana permanece deitada, já que agora o soro na veia limita ainda mais seus movimentos. Como não conhece os métodos não farmacológicos para alívio da dor começa a pedir desesperadamente pela anestesia. A equipe de enfermagem a avalia e afirma que ela não pode receber a anestesia ainda. O marido fica revoltado, não entende porque ninguém da a anestesia para sua esposa, já que nenhum profissional de saúde parou para explicar a ele que existe um protocolo, que a anestesia só deve ser dada ao 8cm de dilatação, para não interromper a evolução do trabalho de parto. Sem nenhum suporte, a família ainda tem que ouvir comentários como "não precisa gritar, deixa de ser exagerada” ou "agora que já fez precisa aguentar a dor”.

Com as contrações em um ritmo muito maior do que o seu corpo estava preparado para aguentar, já que quem as comanda agora é a ocitocina artificial no soro e não a ocitocina que o proprio corpo produz, Marina começa a ter dificuldades para respirar. Não sabe se faz força, ou que horas fazer força, já que ninguém a orientou quanto a perceber o puxo, que é o seu próprio corpo indicando a hora de fazer força. Com a pouca oxigenação causada por essa situação promovida pelo uso da ocitocina artificial, os batimentos cardíacos do bebê começam a diminuir e a equipe medica constata isso na próxima ausculta.

Informam então ao marido que sua esposa precisa ir para o bloco cirúrgico. Que ela não tem dilatação (esquecem de dizer que já esta com cerca de 6cm e que desse ponto em diante, se respeitado o processo natural do trabalho de parto, a dilatação seria muita mais rápida) e afirmam por fim que o bebê já está em sofrimento. Com pavor de que algo aconteça com a mulher e o filho o marido concorda com a cesariana.

A mulher vai embora sozinha para o bloco, sem o seu acompanhante de sua escolha, e o marido fica para trás para se arrumar para o bloco. A equipe rapidamente se movimenta preparando a cirurgia sem muitas explicações ao casal. Enquanto a mulher toma a anestesia algumas pessoas da equipe oferecem palavras e conforto e o marido só entra novamente após a anestesia.

O pequeno bebê é arrancado da barriga da mãe. Como foi realizada uma cesariana o cordão umbilical precisa ser cortado mediatamente, sem chance de que ele tenha seu tempo para aprender a respirar e sem poder receber o restante do sangue da placenta, prevenindo uma futura anemia. O primeiro a pegar o bebê é o pediatra, e não a mãe (que não vê nada, tendo as mãos amarradas e um pano a sua frente) ou o pai (que se divide entre tirar fotos do bebê e contar a esposa o que esta acontecendo). O pediatra precisa aspirar o bebê que, por não ter passado pelo canal de parto, tem ainda muito liquido amniótico no pulmão. O bebê que não teve seu sistema sensório motor preparado pelo toque no canal de parto durante as contrações, e por isso chora, desorientado com o primeiro toque na sua pele, uma toalha áspera.

Como os batimentos estavam baixos antes de nascer e pode ter alguma dificuldade respiratória, como consequência da própria cesariana e da anestesia, o bebê é enrolado no pano e a mãe pode apenas dar um beijo desajeitado no seu filho. Não consegue pegá-lo ou abraçá-lo. Ainda não pode conferir se tem todos os dedos e o quão perfeitinho é. O bebê é levado para observação para receber oxigênio. A nova mãe fica lá, sozinha, sendo costurada após a extensa cirurgia abdominal que passou.

Mais de três horas depois, no quarto, é que os novos pais vão se encontrar com o seu bebê. A mãe sente dores na cirurgia abdominal e mal consegue se mover na cama, precisa de ajuda até para ir ao banheiro. Os seios estão cheios, inchado e doendo, já que o colostro se preparou para descer com os hormônios do parto, mas o bebê não sugou. Pai e mãe recebem o bebê enroladinho e limpinho, dormindo. O momento mais desperto após o parto já passou e agora ele precisa dormir, talvez tenha até recebido leite artificial ou água glicosada na mamadeira quando estava no berçário, se aquecendo  em uma incubadora (quando poderia ser aquecido pelo contato pele a pele com a mãe). Ele não sugou na primeira meia hora após o parto, então não aproveitou o momento em que o peito da mãe estava mais vazio e seu reflexo de sucção aumentado para aprender a pega correta e aprender a sugar.

Quando finalmente acorda a mãe tenta sentar desajeitadamente na cama para oferecer o peito. O peito cheio já dificulta a pega do seu pequeno filho. Ele suga só um pouco, mas parece não sair muito leite. As enfermeiras oferecem pouco suporte já que tem muitas outras atividades e acabam introduzindo o leite artificial ao bebê. Pronto, esta armada uma receita para um insucesso na amamentação.

Dois dias depois a nova família esta em casa e agora vai descobrir sozinha como cuidar e amamentar seu filho. Talvez ela seja forte o suficiente para não ter uma depressão pós parto, talvez ela seja determinada em amamentar seu filho, sabendo dos benefícios. Talvez sem muitas intervenções e com apoio da família ela possa seguir seus instintos e tenha sucesso na amamentação. Mas esse capítulo vamos deixar para um próximo post!

A parte boa dessa historia? Que mãe e bebê estão em casa juntos, felizes e saudáveis.

O que tem de ruim? O parto, que deveria ser um momento de amor, alegria e empoderamento da mulher que trás seu filhos ao mundo, foi um momento de dor, angustia e medo. A mulher teve o parto que desejou roubado. Talvez ela nem fique sabendo que a cesariana e as dificuldades na amamentação foram causadas por intervenções desnecessárias no seu parto e que sua historia poderia ter sido muito diferente. Talvez ela nem entenda de onde vem o vazio que sente. Mas talvez ela consiga buscar mais informações, sair da matrix como dizem as mulheres, e consiga, em uma próxima gravidez, o seu sonhado parto, curando as feridas deixadas por esse momento que lhe foi roubado.

Essa historia se parece com alguma que você já ouviu? Ou talvez se pareça com a sua historia! Levante-se, grite e empodere-se. Interrompa essa cadeia de intervenções em qualquer um dos pontos e recupere o seu parto.


Um comentário:

  1. Ao me deparar com essas história lembrei-me que a vinte anos atrás em uma maternidade no Rio de Janeiro aconteceu a mesma coisa comigo.Parecia que estavam contando a minha história, a única diferença foi que me internaram com 4 cm de dilatação.Como um dos procedimentos que eles queriam realizar eram subir em cima da minha barriga. Eu já não tinha mais forças naquele momento quando eu escutei da médica que eram para organizar o centro cirúrgico e chamar o pediatra que aquela criança não iria nascer normal.Anos se passaram e meu filho aos 10 anos foi diagnosticado com leucemia mielóide aguda me pergunto as vezes se eu tivesse um parto humanizado meu filho poderia mesmo ter sido acometido por esse tipo de câncer.Hoje meu filho já é um homem com 20anos, cursa Medicina em uma faculdade bem conceituada no Rio e tenta salvar a vida de muitas pessoas.Eu passei pela violência obstétrica e estou aqui para contar o meu caso.

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